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Guillon Ribeiro

Vamos revelar – este é o verbo – quem foi Guillon Ribeiro, e o que foi a sua vida, cheia de bons serviços á pátria, dedicada à família, devotada ao Evangelho, transcorrida num esforço máximo de tornar melhores os nossos semelhantes, mas tudo ocultamente, como que clandestinamente, visto que a sua modéstia, levada ás vezes até ao extremo, não permitia que algo dissessem dele os seus melhores amigos.

Mas dessa sua existência se poderia declarar o que a respeito de Rui Barbosa dissera Alcindo Guanabara – uma linha reta entre o dever e justiça.

Luís Olímpio Guillon Ribeiro nasceu de pais pobres, no Estado do Maranhão, a 17 de janeiro de 1875. Desde os verdes anos começou a conhecer as asperezas da existência, e tanto, que foi internado gratuitamente no Seminário de S. Luís do Maranhão, onde cursou as primeiras letras.

Aos 7 anos ficou órfão de pai. Aumentaram as dificuldades na família, com a perda irreparável do chefe, e a sua querida genitora transferiu-se para o Rio de Janeiro. Porque minguassem os meios de subsistência, teve ela ainda que procurar colocar o filho, gratuitamente, numa escola, e assim conseguiu que ele ingressasse com aluno gratuito da antiga Escola Militar, na Praia Vermelha.

Ótimo estudante, bom discípulo, acatado pelos mestres, querido dos camaradas, parece que o seu gênio, entretanto, não era de feitio com a vida militar, e, desse modo, não levou mais de três anos na carreira das armas.

Pediu e obteve baixa. Aproveitou, então, os conhecimentos do curso que houvera seguido, e já com sólida base matriculou-se diretamente no 2º ano da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Para custear os seus estudos e prover a manutenção da sua extremosa mãe, desde cedo já se entregava a árduos labores. Entre outros, trabalhava à noite como redator do Jornal do Commercio, escrevia para os mais importantes jornais da época, e estudava até alta madrugada. Quase que esgotava no estudo e no trabalho as 24 horas do dia.

Formou-se em Engenharia Civil. Mas a necessidade premente de angariar o sustento levou-o a aceitar o cargo de 2º oficial da Secretaria do Senado Federal, para daí transferir-se a outro mais condicente com a sua profissão. Ali, porém, logo se tornou admirado e querido por quantos lidavam com ele, de sorte que o retiveram, que o prenderam, até que se aposentou no mais alto cargo da carreira.

A sua ascensão no Senado foi rápida. Talvez não fosse esse o seu maior desejo, mas o seu acendrado amor ao trabalho, de que dão testemunho todos os que o conheceram, em qualquer dos ramos de sua profícua atividade, o seu trato amável e bom, a retidão do seu proceder, a integridade do seu caráter, a sua grande competência, a habilidade e inteligência com que se desincumbia de qualquer mister, por árduo e difícil que fosse, o escrúpulo com que estudava todas as questões, o alto critério que sempre mostrava, levaram-no a galgar rapidamente todos os postos, até que foi nomeado Diretor Geral da Secretaria do Senado, cargo em que se aposentou em 1921, deixando, em todos a quem prestou os mais relevantes serviços, sentimentos de gratidão e de saudade.

Sirva de amostra o discurso pronunciado pelo Senador Rui Barbosa, no Senado Federal, na sessão de 14 de Outubro de 1903, e publicado a folhas 717, coluna esquerda, dos Anais do Senado Federal, vol. II (Sessões de 1 de Agosto a 31 de Outubro de 1903).

Dele extraímos o seguinte tópico, referente ao seu trabalho de revisão do Projeto do Código Civil:

“O respeito que devemos nós – todos aqueles que escrevem ao público e a nós mesmos, esse respeito nos impõe o maior cuidado até os últimos momentos. Nenhum bom escritor pode confiar absolutamente, exclusivamente, nos protos.

Devo, entretanto, Sr. Presidente, desempenhar-me de um dever de consciência – registrar e agradecer da tribuna do Senado a colaboração preciosa de um dos auxiliares desta Casa, o Sr. Guillon Ribeiro, que me acompanhou nesse trabalho com a maior inteligência, não limitando os seus serviços à parte material do comum dos revisores, mas, muitas vezes, suprindo até a desatenções e negligências minhas.”

Para não nos alongarmos muito, damos, apenas, este exemplo, do que era a dedicação, o escrúpulo, a alta capacidade do Dr. Guillon Ribeiro, na sua carreira pública. Como vimos, ela foi ao ponto de merecer especial referência, em discurso, do maior parlamentar brasileiro, do maior vulto das nossas letras. A sua família possui ainda valiosas cartas dos grandes estadistas da época, todas cheias de encômios e agradecimentos ao distinto funcionário.

Desde cedo, dizia ele, sentira inclinação pelo Espiritismo; é que, no seu subconsciente, já estava traçado o plano da missão de que fora incumbido. Só mais tarde, porém, se aproximou de amigos espíritas, começou a ler e a meditar sobre assuntos espíritas, abraçando definitivamente a doutrina, em 1911.

Durante muito tempo, levou palavras de consolo e de fé aos detentos, na Casa de Correção, e muitos dos presidiários que de lá saíram, cumprida a pena, tornaram-se seus verdadeiros amigos.

Fora um trabalhador indefesso. Não tinha horas de lazer. Mesmo quando se ausentava do Rio, nos seus curtos veraneios, levava vários trabalhos, e, quando todos o supunham repousando, estava traduzindo, ou corrigindo provas, ou providenciando. Nunca deixara de fazer o Reformador, mesmo quando acamado. À noite, no interior do País, apesar do repouso que lhe aconselhavam, saía a pregar o Evangelho nos Centros espíritas locais.

E, assim tornava aos seus complexos e inúmeros afazeres, na metrópole, trazendo apenas, descansada, a consciência, por não haver perdido um minuto sequer da sua prodigiosa atividade.

O Dr. Guillon Ribeiro casou-se em 11 de abril de 1910 com D. Raimunda Portela e deste consórcio teve 5 filhos, Luís Antônio, Antônio Luís, Aloísio, Olímpia Luísa e Mariana.

Se a existência de Guillon transcorreu dificultosa e áspera, se os seus inúmeros trabalhos e preocupações de ordem pública lhe não davam repouso; se na doutrina que abraçou encontrou motivo de grandes contrariedades por ver, às vezes, deturpados os seus melhores sentimentos, mal considerado o seu ingente esforço, desconhecia a sua grande honestidade, sinceridade e boa-fé, deu-lhe o Criador a recompensa no santuário do lar, onde todos o estimavam e respeitavam, como o chefe-de-família exemplar, o esposo amantíssimo, o pai carinhoso, sem já falar nas suas excepcionais qualidades de filho dedicado até ao sacrifício.

Guillon Ribeiro foi presidente da Federação Espírita Brasileira em 1920 e 1921, bem como de 1930 a outubro de 1943, quando desencarnou. Por força do seu mandato, era igualmente o Diretor da revista Reformador.

Dada a sua capacidade de trabalho, a lucidez de sua orientação, o conhecimento profundo e lato de tudo que se relacionava com a edição da revista Reformador, o grande amor que a ela dedicava; dado, enfim, o empenho que fazia para que nela nada saísse capaz de comprometê-la, ou comprometer a Doutrina, ou comprometer a Federação, ou comprometer a Causa por que todos os espíritas trabalham, tomara a si o exaustivo encargo de dirigir todos os serviços, desde o da revisão até o da paginação, desde o editorial até as pequenas notas, preenchendo os claros, enriquecendo os estudos e colaborando com primorosos artigos, vernácula e doutrinariamente perfeitos.

Durante vinte e seis anos consecutivos foi Diretor da FEB, tendo exercido quase todos os cargos, inclusive o de Diretor da Livraria.

Fora a 1º de Outubro de 1891 que pela primeira vez, sob a presidência do Dr. Dias da Cruz e a vice-presidência do Dr. Bezerra de Menezes, a Federação lançara a idéia de se montar “uma oficina tipográfica para a impressão do Reformador e de obras de propaganda”. Malogrado intento! A massa espírita ainda não compreendia o incomensurável valor do livro!...

Só com o tempo a coisa foi melhorando, sem satisfazer, contudo, aos verdadeiros anseios da Casa de Ismael.

Em 1937, o então presidente da FEB, Dr. Guillon Ribeiro, demonstrou a necessidade inadiável da instalação de oficinas tipográficas próprias. A idéia, a princípio combatida, foi evoluindo com o tempo e firmou-se em fins de 1938. Finalmente, a 4 de Novembro de 1939, a pequena oficina gráfica da FEB entrava a funcionar, justamente na sala hoje ocupada pela Biblioteca.

Com o passar dos anos, as impressoras e o serviço de encadernação já não davam conta do recado. Impunha-se um trabalho de renovação da maquinaria e melhoramento das instalações da Editora da FEB, o que só foi conseguido, em 1948, na gestão do presidente Sr. A. Wantuil de Freitas, que assentou no bairro de S. Cristóvão o Departamento Editorial.

Guillon Ribeiro foi o tradutor impecável de várias obras estrangeiras, das línguas francesa, inglesa e italiana. Conhecedor profundo de vários idiomas e cultor, entre os melhores, do português escorreito e castiço, deixou inúmeros livros e artigos traduzidos. Entre os livros podemos mencionar as edições atuais da FEB das seguintes obras:

De Allan Kardec:
  • O Livro dos Espíritos
  • O Livro dos Médiuns
  • O Evangelho Segundo o Espiritismo
  • A Gênese
  • Obras Póstumas
  • O Espiritismo na sua expressão mais simples
De Léon Denis:
  • Joana d'Arc, Médium
  • O Além e a Sobrevivência do Ser
De J. B. Roustaing:
  • Os Quatro Evangelhos, ou Revelação da Revelação (4 volumes)
De Ernesto Bozzano:
  • A Crise da Morte
  • Animismo ou Espiritismo?
  • Xenoglossia
  • Psicologia e Espiritismo
De Pietro Ubaldi:
  • A Grande Síntese
De Gabriel Delanne:
  • O Espiritismo Perante a Ciência
  • A Alma é Imortal
De J. E. Guillet:
  • Os Quatro Evangelhos e O Livro dos Espíritos
De Arthur Findlay:
  • No Limiar do Etéreo
De Jorge Dejean:
  • A Nova Luz
De C. Picone Chiodo:
  • A Verdade Espiritualista
  • Espiritismo e Criminalidade
De Luís Gastin:
  • Livre-arbítrio e Determinismo

Contam-se às dezenas as obras por ele prefaciadas, prefácios cheios de substancialidade e ricos de comentários e comparações inteligentes.

Carteou-se com um sem número de espíritas do Brasil e do estrangeiro, nas línguas portuguesa, francesa, italiana, inglesa e castelhana, sendo de notar que suas missivas geralmente se constituíam em eruditas páginas, escritas com esmero e alta dose de tolerância e compreensão.

Entre as obras que ele escreveu, não se falando dos numerosos artigos, publicados em Reformador e em muitos outros órgãos da imprensa espírita, e que o afirmaram um verdadeiro homem de letras, podemos destacar: Jesus, nem Deus nem Homem, Espiritismo e Política, A Mulher e A Federação Espírita Brasileira. São ainda suas, de compilação: Trabalhos do Grupo Ismael (3 volumes) e Ensinamentos do Além e Advertências do Aquém.

Como bem salientou o confrade e jornalista Indalício Mendes, Guillon Ribeiro enfrentava os assuntos e os problemas com calma e ponderação, mas não se ocultava em tergiversações e subterfúgios. Triunfava sem agressividade, tendo a lógica e a veracidade de suas palavras a força demolidora do incontestável e irrespondível.

Para termos idéia do que foi o imenso labor intelectual do eminente Dr. Guillon Ribeiro, basta citar um exemplo, de entre muitos outros: Na tradução de Os Quatro Evangelhos, de Roustaing, Guillon Ribeiro gastou cinco longos anos de porfiado trabalho, para dar ao movimento espírita brasileiro uma tradução esmerada e brilhante sob todos os pontos de vista. E qualquer que seja a opinião que se forme sobre esse empreendimento, ao qual ele dedicou toda a sua alma, o que não podem olvidar os espíritos de boa-fé e sinceros é a lealdade com que pôs mãos à tradução da obra, são os propósitos que o animavam de espalhar a boa semente, é a convicção que tinha de estar esclarecendo os seus semelhantes e servindo a Jesus.

Homem de acrisoladas virtudes, de grande saber em quaisquer ramos da Cultura, profundamente evangélico, vibrante tribuno de voz firme e serena, tornou-se respeitado e querido em todo o Brasil espírita.

Foi o mais sincero dos crentes, o mais convicto dos missionários. No seu sublime apostolado, não conhecia o desânimo, a fraqueza, o desalento. As tempestades passavam pela sua fronte trazendo-lhe grandes mágoas, porém não o abatiam nunca.

Não sabia dizer não, malgrado o que dele se pensava e se dizia, e, por isso mesmo, teve grandes sangrias nos seus recursos materiais e esgotou-se espiritualmente, porque era um trabalhador incansável do espírito, que a tudo provia, tudo previa, e tombou, por assim dizer, nos trabalhos da seara.

Alma sensível a todas as dores alheias, coração que se compadecia de todos os sofredores, ele deixou um sulco profundo de saudade em toda a família espírita e de quantos dele se acercaram.

Aos 26 de Outubro de 1943, fechava os olhos ao mundo a figura veneranda do Dr. Luís Olímpio Guillon Ribeiro.

Seu último escrito - “Crisol de Purificação”, estampado em Reformador de Dezembro de 1943, é belíssima página sobre a dor, que ele, de maneira objetiva e convincente, demonstrava ser “a melhor e mais amiga companheira do homem”.

Tendo sido um dos vultos mais notáveis de quantos ilustraram e engrandeceram o apostolado espírita no Brasil, chegaram à FEB telegramas, cartas, cartões, formando vasta correspondência procedente de quase todos os Estados brasileiros e até do exterior, todos a enaltecerem a figura realmente grande de Guillon Ribeiro, tendo a revista La Idea, órgão da “Confederación Espiritista Argentina”, assim sintetizado o perfil moral do extinto: “un hombre de estúdio y trabajo, cuya vida fué y será exemplo de sacrifício y amor al Espiritismo.”

(Zêus Wantuil. Grandes Espíritas do Brasil. FEB)